2h33 de um dia qualquer. madrugada.
ela, cansada daquele dia, daquela semana, daquilo tudo, havia chegado em casa e se deixado cair no aconchego do sofá. acordou mais de uma vez, olhando sempre o teto, observando uma meia dúzia de sombras e reflexos que vinham das ruas. da última vez que acordou sentou-se na beira do sofá e pôs as mãos entrelaçadas sobre a perna, como quem pensa numa solução que está um pouco além do que estava disposta a se sacrificar.
espreguiçou-se, observou no fundo da sala o gato abrir os olhos ainda deitado no chão, e levantou. os pés quase se negaram a obedecê-la, ainda sonolenta, apoiada na parede e abriu a geladeira. um vinho tinto qualquer a observava. ela pegou uma taça, a garrafa e voltou ao sofá.
o calor que emanava a cada gole, quebrando o frio que pairava no coração, ia aos poucos matando a saudade. aguçando o desejo. aumentando a vontade. as mãos, uma com a taça e outra que deslisava sob a própria pele, iam se avermelhando. de maneira gentil uma lágrima desceu até o canto de seu lábio e lá permaneceu.
ela já alta, bonita, diante de si, apoiou sua cabeça no encosto do sofá e fechou os olhos. a música ao fundo, corroía e queimava suas veias, acelerava o coração, penetrava dentro do que existe de mais profundo nela e naquele momento, que era dela, só dela.
tudo ao redor girava em todos os sentidos, o chão flutuava e a única coisa rígida era o sofá. enxergava as luzes da rua se movendo através das pálpebras ainda fechadas. pela panturrilha, pela coxa, subindo aos poucos, na sua cintura, no seu busto, nuca, sentia um formigamento, alguém que tocava a si em seu próprio calor.
o êxtase.
o suor que descia, de maneira leve e sutil, acariciando sua pele resfriava todo aquele acúmulo de vontade que guardava em seu corpo. era ali que ela se encontrava dentro de si.
deitou novamente no sofá, desnuda de tudo que já vestiu, numa meia luz amarela e então, aos poucos, a taça ia saindo de sua mão, até ela adormecer, mais uma vez.